segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Um olhar francês sobre a vida de Lampião


 
Pesquisador Jack de Witte busca editora para publicar edição em português de sua biografia do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva

Imagem: Columbia Pictures/DivulgaçãoFoto: Arquivo/DP






O primeiro grande sucesso internacional do cinema brasileiro ganhou o mundo há 60 anos, em 1953. Trata-se de O cangaceiro, escrito por Lima Barreto (cineasta homônimo do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma) em parceria com Rachel de Queiroz. Bastante premiado, inclusive no Festival de Cannes, o filme circulou por 80 países. Na França, onde passou cinco anos em cartaz, o longa-metragem inspirado na história de Lampião encantou muitos espectadores, e particularmente Jack François de Witte, na época adolescente.

O cenário de truculência e banditismo no Sertão nordestino permaneceu no imaginário do francês por toda a vida. Décadas mais tarde, já formado em engenharia eletrônica, morou três anos no Rio de Janeiro, quando teve a oportunidade de conhecer mais sobre a lenda por trás de ficção, o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva. Ao se aposentar, intensificou a pesquisa em jornais das décadas de 1920 e 1930, além de montar biblioteca com 60 livros sobre o assunto. “Me tornei um apaixonado pelo cangaço”, diz.
                                    Foto: Edvaldo Rodrigues/DP/D.A Press

Munido de bastante informação, de Witte percorreu cidades nordestinas na tentativa de refazer os passos de Lampião. Visitou desde o local de nascimento, em Serra Talhada, no Sertão pernambucano, até onde foi morto, na fazenda Angicos, em Sergipe. O resultado da imersão na história do cangaço rendeu o livro Lampião VP - Sans toit , sans roi, sans loi (em tradução livre, sem casa, sem lei, sem rei), lançado há cinco anos em Paris. Agora, o escritor francês circula em busca de editora para publicar a obra em português.
                              Foto: Arquivo/DP

A despeito de ter sido embasada em extenso levantamento, a narrativa é construída na primeira pessoa, do ponto de vista de Lampião. “Quis fazer uma abordagem meio literária, então associei notícias de jornal com essa nova maneira de contar a história”, explica Jack de Witte. No encadeamento de ideias, contudo, também há espaço para a imaginação e a subjetividade. O “VP” do título, vale ressaltar, é uma referência à comparação feita entre Virgulino e o traficante carioca Marcinho VP (protagonista de Abusado, de Caco Barcellos).

Na avaliação do pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello, o livro é um “romance histórico desafiador”, referindo-se à maneira peculiar de narração. “Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes... Mas o certo é que ele [o autor] cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro”. Pernambucano de Mello foi um dos que colaboraram com a pesquisa do francês. “Creio que cabe a tradução para o português. O assunto está vivendo efervescência máxima”, completa.

Sobre o interesse em editar a obra no Brasil, de Witte diz ter essa intenção desde o início da pesquisa. “Não escrevi o livro para os franceses, e sim para, de algum modo, fazer parte dessa história”. E aproveita para explicar a pouca repercussão desde o lançamento em Paris. “As pessoas na França são muito egocêntricas e etnocêntricas, não estão abertas para aprender a respeito de outros locais”.

>>>>> Lampião segundo estrangeiros

“BANDIDO SOCIAL” (VISÃO BRITÂNICA)

                                                                               

O historiador britânico Eric Hobsbawm traça perfis de vários “bandidos sociais” ao redor do mundo, entre eles, Lampião. No livro, ele aponta a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom ladrão para analisar como a ausência pode transformar criminosos em heróis. A análise rendeu muitas críticas, sobretudo por sugerir que essas figuras representavam a “reação dos excluídos” contra a opressão de alguns poderes centrados no campo. No caso particular de Lampião, Hobsbawm o considerava um “bandido social” com a ressalva de que havia nele uma ambiguidade. Era “meio nobre, meio monstro”.

“BANDIDO DE ORIGEM SOCIAL” (VISÃO NORTE-AMERICANA)

                                                                              

O norte-americano Billy Chandler é um dos críticos de Hobsbawm. Para ele, Lampião só se encaixa no conceito de “bandido social” por ter origem em ambiente injusto, e que seria exagero falar em justiça social por parte do cangaceiro. Na biografia de Virgulino, examina a trajetória desdea infância até o episódio de sua morte. Separa fatos da ficção e coloca o personagem no contexto do sertão, onde tornar-se cangaceiro era um ato natural e atrativo para o filho de um agricultor. Relatos atuais e da época, arquivos e entrevistas sustentam a análise sistemática sobre o cangaceiro.




A historiadora francesa Élise Grunspan-Jasmin fez vasto levantamento e comparou várias versões sobre a vida de Lampião. Também explica como a imagem do “mito” foi construída pela imprensa dos anos 1930, que embora criticasse a violência, ajudava a construir a lenda do herói invencível, de corpo fechado. Ela aponta as numerosas fotos publicadas na imprensa, e revela o enorme prazer de Virgulino em posar para fotógrafos e se ver nos jornais. Com grande senso de marketing, manipulava jornalistas para se promover. A “lenda” seria reforçada com a literatura de cordel, bonecos de barro, filmes e músicas.

                                                   Foto: Cecilia de Sa Pereira/DP/D.A Press

 DEPOIMENTO
Frederico Pernambucano de Mello


“Conheci pessoalmente Jack de Witte em Paris, em 2004, quando fui fazer palestra sobre o cangaço. Alto, magro, contido, ares de jesuíta que largou a batina. No dia seguinte, à noite, nos avistamos demoradamente para um vinho em casa da também brasilianista do cangaço Élise Grunspan-Jasmin.

Jack estava cavando informações para escrever seu livro sobre Lampião, um romance histórico muito desafiador, vez que corre o risco de dar voz ao grande cangaceiro, fazendo com que este vá alimentando a narrativa com revelações sobre fatos e sobre motivos por trás desses fatos. Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes...

Mas o certo é que ele não se lançou ao risco a partir do vazio. Ao contrário,  cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro, detendo-se por anos no levantamento destas, o que confere respeitabilidade ao produto final. Li a versão em francês de seu livro, faz alguns anos, e creio que caiba a tradução para o português, com vistas ao nosso público. O assunto está vivendo efervescência máxima.

Jack de Witte está longe de ser um aventureiro. Cercou-se criteriosamente dos elementos necessários a nos dar a visão pessoal do que entende terem sido algumas das razões e propósitos do Capitão Virgulino Ferreira. Trata-se, por outro lado, de um enamorado do Nordeste do Brasil sem meios-termos, sobretudo dos sertões setentrionais. Que não deixa turvar seus estudos por essa paixão.”
 
                                  
 
 


Uma das principais fontes de pesquisa de Jack de Witte foram edições antigas do Diario de Pernambuco. Não à toa, Lampião VP tem mais de cem citações a notícias publicadas no jornal. Confira algumas delas:

Diario de Pernambuco, julho de 1922 - Ao lado de 50 homens, Lampião entra em confronto com a polícia no Espírito Santo.

Diario de Pernambuco, agosto de 1922 - Aos 25 anos, Lampião ataca município de Água Branca. Foi definido como possuidor “de uma perversidade insólita”.

Diario de Pernambuco, agosto de 1924 - Bando de cangaceiros atacam a cidade de Souza, na Paraíba.

Diario de Pernambuco, julho de 1925 - Confronto entre 19 policiais da Paraíba e 15 cangaceiros deixa vários mortos, entre eles o irmão de Lampião, Levino.

Diario de Pernambuco, fevereiro de 1926 - É desmentida a suposta morte de Lampião, boato que estava sendo noticiado.

Diario de Pernambuco, novembro de 1926 - Lampião junto a 120 homens sequestra representantes das empresas Souza Cruz e Standard Oil, e exige resgate.

Diario de Pernambuco, dezembro de 1926 - governadores dos estados nordestinos se reúnem para combater o banditismo no sertão.

Diario de Pernambuco, setembro de 1927 - O bando de cangaceiros estaria “desmoralizado” e reduzida a 14 homens.

Diario de Pernambuco, julho de 1938 - Notícia da morte de Lampião e de mais 11 cangaceiros.
 
Cangaceiros foram retratados por Candido Portinari. Foto: Christie's/ ReproduçãoPintura que retrata Lampião é vendida por mais de R$ 1 milhão em Nova York Obras de Cândido Portinari e Iberê Camargo ficaram entre as dez mais valiosas em leilão nos EUA

Cangaceiros foram retratados por Candido Portinari.

Nesta terça-feira, dois leilões de arte latinoamericana foram realizados em Nova York e artistas brasileiros apareceram mais de uma vez na lista dos dez mais valiosos. Lampião e Maria Bonita, pintado por Cândido Portinari em 1947, foi arrematado por U$S 482.500 (R$ 1.011.079) no leilão da Christie’s. No evento promovido pela Sotheby’s, a obra Fumo, de 1938, foi vendida por US$ 374.500 (R$ 784.765).

Ainda na Christie’s, a obra Jogo de carretéis, pintada por Iberê Camargo em 1967, foi arrematada por US$ 422.500 (cerca de R$ 884.715) e bateu o recorde de venda em seu acervo. A estimativa era de qua a pintura alcançasse um valor entre US$ 120 mil e US$ 180 mil.

Com uma arrecadação de U$S 938.500 (R$ 1.965.219), Horse, de Fernando Botero ficou em primeiro lugar na Christie’s. O pintor ainda apareceu em quinto lugar com Nun eating an apple, de 1981, com um valor de US$ 602.500 (R$ 1.261.936).

Além de Camargo, Arnaldo Roche Rabell, Tomás Sánchez, Olga de Amaral, Carmen Herrera e Oscar Muñoz também conquistaram novo recorde mundial. No total, a fundação Christie’s arrecadou US$ 13.614.800 (R$ 28.515.000). E a Sotheby’s US$ 23.130.251 (R$ 48.446.000).

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