Eudimar foi cantor de “conjunto” da adolescência até pouco tempo antes
de passar em um concurso para ser funcionário do Banco do Brasil, nos
anos 1980.
Em 1992, ele se candidatou a vereador pela cidade que sempre amou com paixão. Depois de um processo eleitoral com fortes indícios de fraude, ele perdeu. A fama de locutor de rádio e artista local, o conhecimento que tinha daquele povo, a generosidade – nada teve eficácia diante dos candidatos concorrentes, que, em vez de projetos, ofereciam dinheiro e emprego.
A forte decepção o fez deixar a cidade. Pediu transferência para a cidade de Cascavel, no Paraná, e partiu com uma família chorosa para se aventurar no Sul do país. Não ficou lá nem dois anos completos. O banzo, as dificuldades financeiras, o preconceito sofrido naquela região e o arrependimento de ter deixado a terra natal não permitiram que essa experiência se estendesse por mais tempo. Voltou para o Nordeste.
Como não havia mais vaga na agência de Monteiro, conseguiu transferência para a pequena Pocinhos, cidade próxima a Campina Grande, onde fixou residência. Ali, comprou, pela Previ, a casa com que sempre sonhou. Terraço grande, vasto jardim, quintal propício a horta e pomar, quatro quartos, salas espaçosas. Além da casa, o sítio que tinha em Monteiro, antes mesmo de se mudar para Cascavel, continuava sob seus cuidados.
E chega 1999, o ano que parece nunca acabar na sua vida familiar. Foi quando faliu com o falecimento prematuro de seu filho Júnior. Foi quando a porta da dor, do arrependimento e da depressão se escancarou para a família.
Dois anos antes, em 1997, assim como tantos outros ex-funcionários do Banco do Brasil, aderiu ao programa de demissão voluntária daquela instituição. Acreditou que poderia ser mais feliz dedicando-se à vida de agricultor, investindo no sítio que já tinha. Acreditou que conseguiria, depois de 17 anos como empregado, ser empregador. Acreditou que a vida melhoraria, pois não estaria mais sob a pressão psicológica e o assédio moral que o banco exercia sobre seus funcionários e poderia se dedicar a algo que sempre amou: a terra.
Mas nada daquilo em que acreditou se tornou realidade. Seus investimentos não deram certo, a ajuda alardeada pelo Banco do Brasil para quem decidisse sair do banco e virar autônomo, não passou de conversa pra boi dormir – e, pra piorar, o sócio que tinha o roubou.
Dívidas começaram a aparecer e bens materiais tiveram que ser vendidos gradualmente para pagá-las. Surgiram os agiotas e suas ameaças. Eudimar se via perdido e não sabia pedir ajuda, não sabia como sair do buraco – pelo contrário, vítima de depressão e com a autoestima no chão, ele afundava cada vez mais. Em dois anos, sem pagar mais a prestação da casa e sem conseguir vender o sítio, ele pensou em suicídio – e quase o cometeu, mas meu irmão chegou na hora e conseguiu tirar-lhe o revólver da mão.
E foi então que o pior aconteceu: o seu filho sofreu um acidente e ficou uma semana na UTI, debatendo-se entre a vida e a morte. No dia 17 de outubro de 1999, um domingo, tivemos a notícia de sua partida. Aos 25 anos de idade, deixando um filhinho com dois anos incompletos, ele se foi para sempre.
Além de se culpar por ter entrado na conversa do banco e por ter escolhido mal o sócio com quem pensou que iria construir uma vida nova, passou a se culpar, também, por não ter prestado a assistência que, acredita, poderia ter salvado a vida do filho. Entre tantas outras coisas que deixou de pagar por estar falido, o plano de saúde foi uma delas. E ele se martirizava porque o filho não tinha mais esse plano.
A forma que encontrou para superar tantas perdas e desilusões, infelizmente, foi a fuga. A fuga por meio da bebida. Ele passou a viver anestesiado. Não bebia ininterruptamente, portanto, não ficava bêbado. Mas bebia o dia inteiro, de bicada em bicada. Começava às 4h. E, entre um afazer e outro, engolia uma, e depois outra, e mais outra. Percebia-se pelo cheiro que saía de sua boca. Foram mais de 10 anos assim.
Em 2007, veio o primeiro AVC, que não deixou sequelas. Com o susto, ele prometeu não mais beber, mas cumpriu a promessa por apenas seis meses. Para acalmar o coração dos familiares, ele participava de algumas reuniões do grupo Alcoólicos Anônimos. Mas continuava bebendo. Parecia um suicídio lento. E era. Um suicídio que trazia sofrimento para todos ao seu redor, uma agonia constante, um sombra sempre a nos sorver o otimismo, a nos tirar a vontade de seguir em frente, de tocar projetos pessoais.
No final de 2009, ele teve a primeira crise de encefalopatia hepática, doença comum a quem é cirrótico. Mais uns dias de hospital, mais uma promessa. E começaram os exames para entrar na fila de transplante de fígado. Ele dizia não mais beber, mas bebia. Já não era o mesmo homem de raciocínio rápido, que lia, que se interessava por aprender coisas novas. A única atividade intelectual que fazia era palavra-cruzada.
Em julho de 2010, veio o segundo AVC. Esse, mais forte, deixou paralisado todo o lado direito. No hospital, ele pedia pra morrer. Não morreu, mas, desde então, nunca mais andou. Não fazia mais nada sozinho: não ia ao banheiro, não tomava banho, não comia, não se vestia, não se sentava. Perdeu a autonomia completamente. Um homem de 1,84, pesado, que sempre se virou só, passou a depender de todos para tudo
Em 1992, ele se candidatou a vereador pela cidade que sempre amou com paixão. Depois de um processo eleitoral com fortes indícios de fraude, ele perdeu. A fama de locutor de rádio e artista local, o conhecimento que tinha daquele povo, a generosidade – nada teve eficácia diante dos candidatos concorrentes, que, em vez de projetos, ofereciam dinheiro e emprego.
A forte decepção o fez deixar a cidade. Pediu transferência para a cidade de Cascavel, no Paraná, e partiu com uma família chorosa para se aventurar no Sul do país. Não ficou lá nem dois anos completos. O banzo, as dificuldades financeiras, o preconceito sofrido naquela região e o arrependimento de ter deixado a terra natal não permitiram que essa experiência se estendesse por mais tempo. Voltou para o Nordeste.
Como não havia mais vaga na agência de Monteiro, conseguiu transferência para a pequena Pocinhos, cidade próxima a Campina Grande, onde fixou residência. Ali, comprou, pela Previ, a casa com que sempre sonhou. Terraço grande, vasto jardim, quintal propício a horta e pomar, quatro quartos, salas espaçosas. Além da casa, o sítio que tinha em Monteiro, antes mesmo de se mudar para Cascavel, continuava sob seus cuidados.
E chega 1999, o ano que parece nunca acabar na sua vida familiar. Foi quando faliu com o falecimento prematuro de seu filho Júnior. Foi quando a porta da dor, do arrependimento e da depressão se escancarou para a família.
Dois anos antes, em 1997, assim como tantos outros ex-funcionários do Banco do Brasil, aderiu ao programa de demissão voluntária daquela instituição. Acreditou que poderia ser mais feliz dedicando-se à vida de agricultor, investindo no sítio que já tinha. Acreditou que conseguiria, depois de 17 anos como empregado, ser empregador. Acreditou que a vida melhoraria, pois não estaria mais sob a pressão psicológica e o assédio moral que o banco exercia sobre seus funcionários e poderia se dedicar a algo que sempre amou: a terra.
Mas nada daquilo em que acreditou se tornou realidade. Seus investimentos não deram certo, a ajuda alardeada pelo Banco do Brasil para quem decidisse sair do banco e virar autônomo, não passou de conversa pra boi dormir – e, pra piorar, o sócio que tinha o roubou.
Dívidas começaram a aparecer e bens materiais tiveram que ser vendidos gradualmente para pagá-las. Surgiram os agiotas e suas ameaças. Eudimar se via perdido e não sabia pedir ajuda, não sabia como sair do buraco – pelo contrário, vítima de depressão e com a autoestima no chão, ele afundava cada vez mais. Em dois anos, sem pagar mais a prestação da casa e sem conseguir vender o sítio, ele pensou em suicídio – e quase o cometeu, mas meu irmão chegou na hora e conseguiu tirar-lhe o revólver da mão.
E foi então que o pior aconteceu: o seu filho sofreu um acidente e ficou uma semana na UTI, debatendo-se entre a vida e a morte. No dia 17 de outubro de 1999, um domingo, tivemos a notícia de sua partida. Aos 25 anos de idade, deixando um filhinho com dois anos incompletos, ele se foi para sempre.
Além de se culpar por ter entrado na conversa do banco e por ter escolhido mal o sócio com quem pensou que iria construir uma vida nova, passou a se culpar, também, por não ter prestado a assistência que, acredita, poderia ter salvado a vida do filho. Entre tantas outras coisas que deixou de pagar por estar falido, o plano de saúde foi uma delas. E ele se martirizava porque o filho não tinha mais esse plano.
A forma que encontrou para superar tantas perdas e desilusões, infelizmente, foi a fuga. A fuga por meio da bebida. Ele passou a viver anestesiado. Não bebia ininterruptamente, portanto, não ficava bêbado. Mas bebia o dia inteiro, de bicada em bicada. Começava às 4h. E, entre um afazer e outro, engolia uma, e depois outra, e mais outra. Percebia-se pelo cheiro que saía de sua boca. Foram mais de 10 anos assim.
Em 2007, veio o primeiro AVC, que não deixou sequelas. Com o susto, ele prometeu não mais beber, mas cumpriu a promessa por apenas seis meses. Para acalmar o coração dos familiares, ele participava de algumas reuniões do grupo Alcoólicos Anônimos. Mas continuava bebendo. Parecia um suicídio lento. E era. Um suicídio que trazia sofrimento para todos ao seu redor, uma agonia constante, um sombra sempre a nos sorver o otimismo, a nos tirar a vontade de seguir em frente, de tocar projetos pessoais.
No final de 2009, ele teve a primeira crise de encefalopatia hepática, doença comum a quem é cirrótico. Mais uns dias de hospital, mais uma promessa. E começaram os exames para entrar na fila de transplante de fígado. Ele dizia não mais beber, mas bebia. Já não era o mesmo homem de raciocínio rápido, que lia, que se interessava por aprender coisas novas. A única atividade intelectual que fazia era palavra-cruzada.
Em julho de 2010, veio o segundo AVC. Esse, mais forte, deixou paralisado todo o lado direito. No hospital, ele pedia pra morrer. Não morreu, mas, desde então, nunca mais andou. Não fazia mais nada sozinho: não ia ao banheiro, não tomava banho, não comia, não se vestia, não se sentava. Perdeu a autonomia completamente. Um homem de 1,84, pesado, que sempre se virou só, passou a depender de todos para tudo
Sr. Cariri em Notícia
.VITRINE DO CARIRI/
Informações extraídas de uma CARTA ABERTA escrita por sua filha Sheila Raposo, em 27.09.12.
Informações extraídas de uma CARTA ABERTA escrita por sua filha Sheila Raposo, em 27.09.12.
Nenhum comentário:
Postar um comentário