Muitas emoções aconteceram na novela “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco, na noite de quinta-feira, 1, todas guiadas pela saída do armário – forçada, diga-se – de Félix (Mateus Solano). Em meio a um escândalo, a denúncia da esposa Edith (Bárbara Paz) que o seu marido é gay cai como uma bomba para toda a família. Não só na novela, mas nos lares brasileiros. Estamos no reino da ficção, mas não podemos esquecer o quanto esta dramaturgia construída por décadas pela Rede Globo orienta e influi a realidade, muito mais que seu telejornalismo, hoje desmoralizado e rendido perante às redes sociais e novas mídias.
Para além das excelentes interpretações de todos do núcleo – com destaque aos atores Solano e Paz – é importante atentar a maestria de como o dramaturgo conduziu este momento de virada (pelo menos para entendermos o personagem). Apesar da clara divisão entre os que apoiaram Félix a assumir a sua homossexualidade (avó, mãe e irmã) e o que condena (pai), e também do desenho que os mais tolerantes seriam do sexo feminino e o intolerante do sexo masculino (talvez representando o patriarcalismo?), Carrasco conseguiu que as cenas não naufragassem no maniqueísmo e na dualidade, dando coloridos a cada fala e ao modo de que cada personagem entendia a homossexualidade.
Com o apoio das mulheres da família, Félix nos mostra que quem primeiro o rejeita é ele mesmo. Paloma (Paolla Oliveira) diz: “Primeiro, você precisa se aceitar”. E a cada gesto de aprovação, o vilão da novela se mostra surpreso que alguns familiares a sua volta o aceitam como ele é.
Desenha-se com clareza o personagem Félix, o garoto que sofria bullying na escola e que só queria ser aceito ao adulto aparentemente frio, cheio de soberba e intolerante. De certa forma, apesar de não desculpar suas vilanias, as humaniza.
Fica claro também que não é aceito pelo pai que é a pessoa que ele mais desejaria que aprovasse seu jeito. Toda esta luta entre ser e parece ser que o personagem carrega mostra sua complexidade e a espelha para alguns outros homossexuais (ainda no armário) que estão fora da telinha.
Solano parece ter noção de seu papel. Em entrevista ao site da novela logo depois de gravar estas cenas, o ator disse algo muito importante. “Ele carrega a luta dos homossexuais reprimidos, que não conseguem se aceitar”.
Quando escrevi sobre Félix logo que estreou a novela, afirmei: “Esta complexidade rica no texto e na interpretação (de Mateus Solano) ressalta para um grande público o quão cruel é viver falsas identidades sexuais e como o chamado enrustido pode desenvolver perversidades para além do humor negro exatamente por isto, por não poder ser em sua plenitude”.
Alguns leitores entenderam na época do texto sobre Félix que estava afirmando que o homossexual assumido não poderia ser uma má pessoa, apenas o enrustido. Leitura apressada, existem pessoas: algumas um pouco más, outras um pouco boas, algumas misturando de tudo isto, dependendo do ângulo de quem analisa. O problema é que o homossexual no armário nem pessoa se considera porque para ser sujeito em sua totalidade é preciso ser, incluindo ser sua orientação sexual. E a ficção desenhou direitinho para a realidade entender!
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