DE SÃO PAULO
Você tem cabeça aberta? Acusar alguém
de ter cabeça fechada hoje em dia é uma ofensa pior do que xingar a mãe.
Hoje todos querem ter cabeça aberta. Um
tema top para cabeças abertas é preconceito x práticas sexuais, e um lugar
certo para deixar claro que você tem cabeça aberta é jantares inteligentes. Se
você quer fazer sucesso num jantar desses, chame todo mundo que discorda de
você de "ridícula".
Nesses jantares, as pessoas têm as
opiniões certas sobre tudo; por exemplo, ninguém tem preconceito contra nada.
Acho muito fofo gente que não tem nenhum preconceito contra nada.
No tema "práticas sexuais", o
que percebemos, se formos um pouquinho além do senso comum, é que o
"normal x patológico" ou "moral x imoral" é bastante
relativo no tempo e no espaço. Isso significa que o que se acha imoral hoje
amanhã pode não ser, e vice-versa. O mesmo para o que se acha patológico.
Quem busca um critério absoluto, sem
variação histórica ou geográfica (a tal variação no tempo e no espaço de que
falei acima), hoje em dia, se vê em maus lençóis. Além, claro, de dar atestado
de ter preconceitos numa época em que ter preconceitos é pior do que matar a
mãe.
Aliás, se não disse ainda, digo: acho
fofo gente que não tem preconceito contra nada.
Um modo de se posicionar acerca dessa
fronteira entre sexo normal x patológico ou moral x imoral é defender a ideia
de que entre dois adultos tudo é permitido, se a prática for fruto de livre
escolha (eis uma versão para mortais da tal autonomia kantiana).
Esse argumento até é válido, já que não
sabemos mais nada sobre coisa nenhuma em moral (só mentirosos dizem que têm
"princípios éticos"). Mas ele é problemático, já na definição de
"adulto", porque ela também é relativa no tempo e no espaço. Um cara
de 40 ficar com uma mina de 14 nem sempre foi visto como crime contra a
infância.
Outra coisa problemática é a própria
ideia de "livre escolha". Por exemplo, se você gosta de apanhar,
talvez só goste mesmo quando seu parceiro ou parceira vai além do que você
"permite", senão você não goza de verdade. Mas devo confessar que há
algo de pueril em achar que "livre escolha" resolva o problema.
Acreditar na ideia de "autonomia kantiana" (a tal da "livre
escolha"), às vezes, também, é superfofo.
Vamos, porém, deixar de barato esses
pequeníssimos detalhes e vamos a algo mais "significativo".
Faço uma proposta para seu próximo
jantar inteligente. Claro, se você for um pobre engenheiro, nem pense em querer
ir, a menos que sua mulher seja psicóloga --aí os donos da casa inteligente
podem aceitá-lo. Se você for um cara e sua "mulher psi" for um cara
também, aí a entrada é garantida.
Vamos testar as cabecinhas abertas? Atenção,
respire fundo: você já viu o vídeo "2 girls 1 cup"? Mas, antes de
descrevê-lo (não em detalhes, porque seria demais para uma segunda-feira), vou
dizer uma coisa.
Acho que, se você é o tipo de pessoa
que quer provar que tem cabeça aberta, você deve discutir apenas o que lhe
parece absurdo (ou "nojento", na linguagem de gente que tem
preconceito). Mas não é isso o que acontece normalmente.
A moçadinha que tem cabeça aberta só
gosta de discutir coisa que não põe em risco sua imagem de gente bacana. Falar
mal de machista, racista, sexista, católico e evangélico é coisa de iniciante
no ramo de discussões de verdade.
E o vídeo? Neste, duas mulheres começam
com sexo lésbico normal e acabam fazendo sexo a três: elas duas + as fezes de
uma delas (se é apenas efeito especial, pouco importa). Isso é chamado no mundo
careta de "coprofilia". Quem gosta de xixi é urofílico.
Então: gente que gosta disso é doente,
imoral, ou apenas gente de cabeça aberta explorando seus limites do gozo?
Lembre: o que hoje é doença ou imoralidade amanhã pode não ser.
Na verdade, imagino que em breve esses
caras terão suas ONGs e defenderão também "safe sex". Como fazê-lo?
Ensinando nas escolas a identificar fezes infectadas pela aparência e cheiro?
O que a gente fofa diria disso? Ainda
sem preconceito? Perdeu o apetite? As ciências sexuais têm muito o que
aprender.
Luiz Felipe Pondé,
pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em
epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap,
discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência.
Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed.
LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".
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