Em artigo publicado no Estado de São Paulo, jornalista menciona Monteiro como "berço de intelectuais"
Confira abaixo o artigo do jornalista José Nêumanne Pinto, publicado na edição deste sábado (23) do Jornal Estado de São Paulo.
No fim do século passado, rolou o maior estresse na música regional
nordestina. Parte dele vinha de Fortaleza, onde o produtor Manuel Gurgel
inventou uma nova fórmula de forró: conjuntos em que predominavam
instrumentos eletrônicos e muita dança sensual de mulheres bonitas e de
corpo bem torneado, com nomes de origem sertaneja (Mastruz com leite) ou
insinuação sexual (Calcinha preta) eram compostos por músicos
contratados pelo produtor. Este corria as praças exercitando, segundo
seus desafetos, um velho costume herdado do Sudeste: o jabaculê, ou
jabá: a compra de execução de discos em rádio. O gênero foi chamado
pejorativamente de forró de plástico. A outra ponta do desafio à
autenticidade do ritmo inventado por Luiz Gonzaga vinha de São Paulo,
onde uma banda, a Falamansa, incendiou os salões de baile da Pauliceia
Desvairada com um hit de arromba, Rindo à Toa.
Na virada do século, um gênio como o paraibano Antônio Barros, com mais
de 700 sucessos juninos, entre os quais dois arrasa-quarteirões
nacionais, Homem com Agá e Por Debaixo dos Panos, com Ney Matogrosso,
foi obrigado a abrir shows no interior nordestino para as bandas de
Gurgel. E instrumentistas do quilate de Jorge de Altinho e Oswaldinho do
Acordeom, filho de Pedro Sertanejo, baiano que inventou as salas de
dança do forró paulistano, e compadre de Gonzaga, passaram a ser
apresentados como atrações nos shows da garotada urbana que fazia parte
do chamado forró universitário (referência ao festival do Mackenzie,
onde Falamansa surgiu).
Ao assumir a secretaria de Cultura do governo da Paraíba, Chico César,
sertanejo de Catolé do Rocha, empunhou a bandeira do forró de pé de
serra, com base em sanfona, triângulo e zabumba, formação adotada pelo
rei do baião, que, em vez de ônibus, se deslocava numa Rural com seus
acompanhantes interior adentro. Mas a reação soou frágil, de vez que o
forró nada tem de autêntico: trata-se de uma invenção do grande
marqueteiro que foi o gênio que fez de sua Asa Branca o hino informal do
Nordeste.
Pouco mais de dez anos depois, ficou provado que as ondas se desmancham
na areia e o mar continua. Gurgel mudou de ramo, o forró universitário
não tem mais o impacto dos velhos tempos e o trio
sanfona-zabumba-triângulo volta ao topo do pódio. Dois gênios da música
regional nordestina – Antônio Barros e Genival Lacerda, seu Vavá –, da
turma que foi acolhida por Gonzaga em sua casa em Lins de Vasconcelos,
no Rio, são os remanescentes vivos do trio que Rilávia Cardoso e Ajalmar
Maia, os dois maiores dançarinos de forró do maior São João do Mundo,
em Campina Grande, Paraíba, homenageiam no Prêmio Luiz Gonzaga, grande
festa da música regional, deste ano. O terceiro é o maestro Sivuca, que
viajou para o além antes do combinado, como costuma dizer seu amigo
Rolando Boldrin.
E Monteiro, berço de intelectuais como o crítico de cinema e filósofo
católico José Rafael de Menezes, ministros do Supremo como Djacir Falcão
e Rafael Mayer, e um dos maiores repentistas da história da poesia
popular nordestina, Pinto do Monteiro, está presente nesta ressurreição
na pessoa de dois sanfoneiros. Sanfoneiro desde os 7 anos, no circuito
junino desde 1977, devoto de Gonzaga e Dominguinhos, Flávio José
percorre o País com sua voz forte e meiga, apropriada para o forró
romântico de sucessos como Caboclo Sonhador ou impregnado de costumes
matutos como Tareco e Mariola. No ano passado, homenageou o centenário
do fundador de sua profissão com um CD só de obras de seu Lua.
Dejinha de Monteiro, que adota a cidade natal no nome artístico, é
também um sanfoneiro de primeira linha, na escola de Flávio José. Seu
repertório é fundado em sucessos que falam de relações destruídas,
amores findos e da desilusão do descompasso entre os casais – um
sanfoneiro do século 21.
Em Campina Grande, Amazan continua fabricando suas sanfonas, enquanto os
conterrâneos José e Luizinho Calixto mantêm a tradição da velho
instrumento camponês de Sivuca, o fole de oito baixos: Zé Calixto no
subúrbio do Rio, onde conviveu com Gonzaga, e o irmão ensinando a
afinação quase impossível do instrumento no interior do Nordeste. E quem
foi mesmo que disse que o forró morreu?
VITRINE DO CARIRI
José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
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