quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A volta da cacimba


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Por Juracy Nunes

A escavação da Cacimba do Engenho foi descrita no capítulo 10, pg. 81 do livro SANGRIA DE RISCO de autoria deste articulista. Um resumo do capítulo do livro e a imagem ao lado mostram o retorno da cacimba no local em que antes era a parte mais profunda de um açude.

Conseguir ração e água para os animais nas grandes secas foi e continua sendo mais difícil do que suprir as necessidades alimentícias humanas.

Na seca de 1942 presenciei uma luta titânica de vários homens, chefiados por meu pai- José Eleutério de Sousa, cavando a terra a procura de água, para salvar animais morrendo de sede.  Pedro Paulino, Gaudêncio, Miguel Dudu, Romão Antônio Sebastião, Euzébio, Burito (este ainda vivo), Zé Cunca, são nomes de pessoas que participaram da cavação do que  foi chamado Cacimba do Engenho localizada no Sítio Mocó- município de Monteiro no Estado da Paraíba.

Na época não existia na região trator ou outras máquinas que facilitasse o trabalho que era feito à mão e utilizando animais para o transporte da terra.

Era um serviço pesado e tinha por finalidade socorrer um rebanho de dezenas de animais do Sítio Mocó e de outros sítios vizinhos.

A ferramenta básica era picareta e pá. Uns cavavam, outros jogavam a terra para fora do buraco. A dificuldade aumentava à medida que se tornava mais profunda a escavação. A vala tinha a forma de um retângulo de 4x2m e a profundidade a ser alcançada era dúvida para todos. A que distância da superfície a água seria encontrada?

Eu aos seis anos de idade acompanhava de perto o serviço, sentado à sombra de um juazeiro e levava para os trabalhadores água fria em canecos de flandres, retirada de um pote de barro. A cada instante me pediam mais água. Eu não entendia porque tanta sede. Só anos depois conheci os termos desidratação e insolação condições  adversas a que estavam submetidos aqueles trabalhadores.

A terra retirada da escavação era jogada na ribanceira, surgindo a necessidade de transporte  dessa terra para local afastado, tarefa que ocupava outras equipes formadas por carreiros e bois que puxavam a terra no couro de arrasto. Essa expressão designava a pele não curtida de uma rês bovina, amarrada por cordas à canga de uma junta de bois que arrastava a carga, guiada por homem que habitualmente trabalha com carro - de- bois por isso era chamado carreiro.

O serviço se prolongou por semanas seguidas. O trabalho de cada dia começava com o esgotamento da água que minava das laterais e se acumulava no fundo do poço. As primeiras latas d’água eram colocadas no pote, era a água de beber que eu servia aos trabalhadores durante o dia.

Havia dois fatores que nutriam a esperança de descobrir água. Os mais velhos tinham noticias através dos antepassados da existência naquele local de uma cacimba com fartura de água, e, durante a escavação era crescente o volume de água que juntava no fundo do buraco a cada noite que passava. Esse era um fato inconteste que prenunciava êxito.

Um dia chegaram os trabalhadores e o buraco estava cheio de água. Alguém gritou “a veia mestra se destampou”. Um dos homens saltou dentro com roupa e tudo, seu chapéu de palha boiou e em segundos emergiu com um punhado de lama na mão que jogou nos companheiros.

Todos se abraçaram, comemorando a vitória da água contra a sede. Começou no mesmo dia grande afluência de pessoas da vizinhança que vinham apanhar água para consumo humano e dos animais. Tiravam água em latas amarradas com uma corda, enquanto era concluído o serviço para a fonte ficar com a estrutura de bebedouro disponível para todos os fins principalmente para o consumo dos animais.

Os serviços complementares foram feitos: a rampa, as cercas e os paus do bebedouro foram assentados e liberados a água para múltiplos usos de 1942 até 1944 quando houve um bom ano de inverno não sendo mais necessária a utilização do bebedouro. A fonte d´água ficou conhecida por Cacimba do Engenho porque bem próximo existia um velho engenho de rapadura movido a boi, que pertencera a meu avô paterno - Capitão Albino Alves de Sousa.

Nesse local hoje existe hoje  o açude Maria Nunes. O açude foi construído  em 1981 e  sangrou  pela última vez em 2009. Quem conhece a adversidade do clima semiárido, se acostuma com a evaporação  perversa das águas dos reservatórios e sabe que seja a cacimba ou o poço artesiano não podem ser esquecidos.  Com a seca de 2012 o açude secou e nova cacimba foi aberta para reforçar o suporte d’água oriundo dos poços profundos.

Desta feita a escavação foi realizada com  máquinas. A água foi encontrada a 3m de profundidade e o serviço teve duração de 10h utilizando uma escavadeira chamada PC e três caçambas para transporte da terra. Animais domésticos e silvestres já fazem a festa com a nova fonte hídrica. Fotografia anexa.

Juracy Nunes é médico e pequeno produtor rural em Monteiro/PB.
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